Brunello di Montalcino e Borgonha. O que faz com que vinhos destas origens sejam alguns dos mais cobiçados no mundo? A TodoVino tem uma constelação de produtores e vinhos das mais importantes regiões vinícolas do mundo na categoria ultra premium.
Coincidentemente, algumas das mais cobiçadas regiões produtoras de vinho começam com a letra “B”. Assim ocorre com Barolo (no Piemonte), Bordeaux e Borgonha (na França), e por extensão com Brunello di Montalcino. Embora a região toscana seja Montalcino, a uva (Brunello é o nome do clone local da Sangiovese) empresta seu nome à DOCG (abreviação para o nível mais elevado de denominação de origem na Itália).
Borgonha
No caso da Borgonha, a região é berço de excelência quando se pensa em Pinot Noir e Chardonnay. A perfeita combinação de solo argilo-calcário em diversas proporções, com clima continental, exposições variadas e a fundamental observação dos monges que lá viviam (fatores que resultaram no termo “terroir”) e se dedicaram à vitivinicultura por séculos, fez que a região se tornasse uma virtuose na expressão dessas duas variedades.
Ao norte, na Côte de Nuits, reina a tinta Pinot Noir e ao sul, na Côte de Beaune, o território é dominado pela Chardonnay.
A Côte d’Or, a junção das Côtes de Nuits e Beaune, foi estudada e observada por monges beneditinos e cistercienses desde o século VI, com maior trabalho feito pelos segundo, um braço criado a partir dos beneditinos, a partir do século XI. Os cistercienses foram os responsáveis pelo mapeamento dos “climats” (vinhedos) da Côte d’Or e das vizinhas ao sul, Côte Chalonnaise e Côte Mâconnais, e sua classificação que vigora até hoje. Na base da pirâmide está o Borgonha genérico (Bourgogne AOC, cerca de 51% do total produzido na região), no degrau acima o Villages (traz o nome das vilas, cerca de 37% dos vinhos produzidos), seguido dos respectivos, raros e caros, Premier Cru (aproximadamente 10% da produção) e Grand Cru (apenas 1,4% do total produzido na Borgonha). Pela observação dos monges e como traço genérico para entender a geografia da região, a encosta (côte) com declive de oeste para leste tem em seu ponto mais elevado e na parte final da inclinação, os vinhedos 1er. Cru. Os vinhedos Grand Cru estão na parte intermediária da encosta; os villages são vizinhos da parte baixa onde estão os 1er. Cru. Os Borgonha genérico estão na parte mais baixa e plana, onde os solos são mais férteis.
A Maison Louis Jadot é um dos nomes mais importantes da Borgonha e foi criada em 1859.
Após implementação da lei napoleônica, quando o Estado se apossou das terras (e vinhedos) da igreja e as entregou à particulares e forçou sua fragmentação pelas sucessões familiares, o caminho para as vinícolas foi não apenas como domaine (proprietária da terra) mas também como negociante (gerindo vinhedos de terceiros e comprando as uvas). Ao mesmo tempo, a atividade era nova para as empresas e eram poucos os bons viticultores e enólogos e foi onde o fundador Louis Henry Denis Jadot logo se destacou.
Hoje Louis Jadot mantém foco exclusivo na Borgonha (incluindo Beaujolais) quando se fala na França e produz mais de 150 cuvées (vinhos de denominações diferentes). Cerca de 70 hectares de vinhedos são próprios e estes vinhedos são identificados pela inscrição “Domaine des Héritiers Louis Jadot” no rótulo. Além destes, 80 hectares são arrendados e ajudam a compor um dos catálogos mais completos de vinhedos da Borgonha. Outra marca registrada de Louis Jadot é o logotipo que traz o busto de Baco, deus romano do vinho, ilustração presente em todos as garrafas da casa. Louis Jadot é também sócia da tanoaria Cadus, o que garante acesso às barricas específicas para seus vinhos.
Entre as expressões marcantes, o Beaune Clos des Ursules, um monopole (vinhedo exclusivo do produtor) que está sob controle da família Jadot desde 1826 e uma coleção de Grand Cru como Chevalier-Montrachet Les Demoiselles (parcela acima de Montrachet), que recebe o nome em homenagem às duas irmãs que eram proprietárias da terra antes da compra pela família Jadot em 1913; ou o Échezeaux (vizinho de Vougeot e próximo de outros ícones como Romanée-Conti e La Tâche), comuna dentro de Vosne-Romanée, onde nasce uma das maiores expressões da Pinot Noir em toda a Borgonha.
Montalcino
Se a Itália era conhecida como Enotria pelos gregos na Antiguidade, a Toscana pode ser considerada o filet-mignon deste território, pois hospeda a variedade que projetou a fama do país como produtor de vinhos, a Sangiovese. E mesmo dentro da Toscana há enorme diversidade de expressões da Sangiovese. Chianti, Vino Nobile di Montepulciano, Carmignano e Montalcino são algumas das zonas onde a Sangiovese reina, com maior brilho para a última.
A história de Montalcino teve seu maior salto na segunda metade do século XIX, quando assolada por pragas como oídio, míldio e a filoxera, produtores de toda a Toscana tendiam a utilizar clones mais produtivos da Sangiovese e até mesmo mesclá-la com outras variedades, para conseguir maior volume de produção, sem pensar tanto na qualidade. Na contramão deste pensamento estava Ferruccio Biondi-Santi, que em sua propriedade começou a selecionar videiras cujos frutos eram menores e mais concentrados, capazes de gerar vinhos mais potentes e longevos. A pesquisa em sua propriedade em Montalcino e a seleção natural que levaram aos clones de Sangiovese Grosso resultou no título de criador da Brunello. A normativa até hoje exige que o Brunello di Montalcino seja feito unicamente com a Sangiovese do “tipo” Brunello, dentro da região demarcada que está ao sul de Siena, com altitudes mais elevadas e clima mais continental que a conhecida zona do Chianti Classico. A TodoVino reúne toda a diversidade de expressões que o Brunello di Montalcino pode manifestar, no mais elevado grau de qualidade. Aproveite para conhecer grandes produtores de Montalcino que estão no catálogo da TodoVino.
Castelgiocondo di Frescobaldi
Frescobaldi está entre os maiores nomes do mundo do vinho. Sediados na Toscana hoje a produção de vinhos da família extrapola as fronteiras desta parte central da Itália e alguns dos vinhos que produzem são referências absolutas entre os críticos e especialistas, vide Ornellaia (referência entre os Supertoscanos) e Masseto (conhecido como o Pétrus da Itália).
A propriedade de Castelgiocondo tem relevância história não apenas com o Brunello di Montalcino, mas com toda a Toscana de forma geral. Sua posição entre a costa Toscana e Siena era um lugar estratégico para observar e atacar tropas inimigas que vinham da costa para chegar às principais cidade da região: Siena e Florença. Quando se fala em Brunello di Montalcino, Castelgiocondo também tem uma das mais ricas histórias da região e a propriedade está entre os quatro primeiros produtores a engarrafar o vinho sob esta denominação, em 1800.
Sua posição mais próxima à costa, em altitude próxima de 300 metros, cria condições estáveis para amadurecimento da Sangiovese Grosso, justamente uma das marcas dos Brunelli de Castelgiocondo, numa consistência ano à ano. Enquanto zonas mais continentais e elevadas sofrem maiores oscilações conforme as condições climáticas ao longo do ano, em Castelgiocondo há maior estabilidade e reforça a imagem moderna de Brunello, com vinhos mais macios e redondos, que não precisam de décadas na garrafa para se integrarem, tudo sem abrir mão da complexidade.
O apreço pela família Frescolbaldi por Castelgiocondo pode ser notado também pela ilustração escolhida para o rótulo. Nela, o comandante Guidoriccio da Fogliano liderava as tropas de Siena para conquistar o castelo de Montemassi, em 1323, ano que a família Frescobaldi começou a produzir vinhos.
Entre os rótulos produzidos, o Rosso di Montalcino Campo ai Sassi mostra elegância e vocação para a mesa, sem a necessidade de guarda; com estágio em grandes tonéis de carvalho por 12 meses. O Castelgiocondo Brunello di Montalcino é a expressão clássica da propriedade – macio, complexo e rico em frutas frescas e maduras. O vinho é lançado ao mercado somente após cinco anos da safra. Produzido apenas nos melhores anos o Brunello Riserva “Ripe al Convento” é feito a partir das parcelas mais elevadas da propriedade, onde o solo de galestro (argilo-calcário) predomina. O vinho é lançado apenas após seis ano de repouso na vinícola.
Uma expressão mais ousada pode ser conhecida em Lamaione, um Supertoscano de Castelgiocondo, feito unicamente a partir da Merlot. O tratamento dado para a casta é bastante bordalês, com estágio de 24 meses em barricas francesas, 80% novas. Um tinto para curiosos.
Frescobaldi possui também uma segunda propriedade em Montalcino, fruto de uma parceria nascida em 1992 com o visionário norte-americano Robert Mondavi. O projeto batizado de Luce della Vite, hoje é conhecida simplesmente como Luce e está na parte sudeste de Montalcino, acima dos 350 metros de altitude.
A ideia principal do projeto é repetir o sucesso conquistado com Ornellaia, na costa toscana, mas mostrando a expressão das castas bordalesas com a Sangiovese na altitude de Montalcino e com solos argilo-calcários. Dos 88 hectares de vinhedo, a parte mais baixa é dedicada à Merlot, que pede por maiores teores de nutrientes dados pelo solo argiloso deste setor; e a parte mais elevada, sobre os 420 metros, onde o calcário é o principal componente, a Sangiovese é a rainha. O principal rótulo, Luce, é uma mescla entre as duas variedades, com pequenas variações de proporção a cada safra mas mantendo a expressão de metade para cada, a maciez e fruta madura da Merlot com a acidez e taninos da Sangiovese. A vinificação é bordalesa e a fermentação ocorre em tanques de concreto, seguido de estágio de 24 meses em barricas bordalesas 85% novas. O segundo vinho, Lucente, segue o mesmo blend, mas com uma expressão mais pronta para o consumo, não tão concentrada como a de Luce e estagia apenas 12 meses nas barricas. Uma vez em Montalcino não poderia faltar um Brunello, e Frescobaldi tem 11 hectares de vinhedo com licença para produzir o Luce Brunello di Montalcino, vinho que nasceu na safra 2007. Aqui a expressão é mais clássica que Castelgiocondo, onde a Sangiovese expressa seu caráter mais fresco, mas com o polimento dado pelos 24 meses de estágio em tonéis de carvalho da Eslavônia, que deixam a boca sem arestas mas com vigor.
Azienda Agraria Lisini
Segundo Antonio Galloni “Lisini é um ponto de referência histórico entre as vinícolas de Montalcino”. Em uma altitude média de 400 metros, os vinhedos de Lisini estão à sul da cidade de Montalcino, entre Case Basse (Soldera), Argiano e Poggio di Sotto, o que em parte explica porque se trata de um dos produtores mais cultuados na atualidade.
As primeiras videiras de Sangiovese Grosso foram plantadas em 1930 e a vinícola esteve entre as fundadoras do Consorzio di Brunello, em 1967. Elina Lisini que comandou a vinícola até 2009 foi a única presidente mulher da instituição (Consorzio) até a data de sua morte.
Dos 150 hectares da propriedade, apenas 20 são dedicados aos vinhedos, que apenas divide com os olivais uma cultura comercial. O restante e maior parte da área é destinada aos bosques nativos, o que reforça a visão de sustentabilidade ambiental da família Lisini.
Além da localização privilegiada, Lisini também recebeu influência de dois mestres da região na parte enológica: Giulio Gambelli (que foi responsável por Soldera e Biondi-Santi) e Franco Bernabei (Felsina e Fontodi), este último que treinou o atual enólogo Filippo Paoletti. Na taça isto significa que os vinhos de Lisini dificilmente terão visual concentrado e escuro. A feição tradicional da Sangiovese “in purezza” tem estas tonalidades rubis e translúcidas. A fermentação ocorre em tanques de cimento e o estágio em madeira se dá apenas em grandes tonéis de carvalho da Eslavônia e na garrafa.
Além dos tradicionais Rosso, Brunello e Brunello Riserva que estão entre as estrelas da região, por mostrarem a feição pura da Brunello, com toques florais e de frutas vermelhas, com acidez e taninos presentes e muito polidos, Lisini também faz acessível IGT San Biaggio, também apenas com Sangiovese, mas uma estilo para ser bebido jovem e vinificado apenas em tanques de inox, e o Brunello di Montalcino Ugolaia, um vinhedo único de apenas 1,5 hectare, cujas videiras correspondem a uma seleção massa (sem clonagem, selecionadas no campo) das videiras mais velhas da propriedade. Produzido apenas nas melhores safras o vinho estagia por quatro anos nos tonéis antes de ir para a garrafa. Sem dúvida, um dos mais complexos e originais Brunello di Montalcino.
Fattoria di Barbi
Barbi está entre os produtores tradicionais de Montalcino. E isto diz respeito não apenas à história da família Colombini, bem-sucedida família de banqueiros de Siena que se tornou proprietária da vinícola em 1352, mas também ao estilo dos vinhos produzidos, longevos e que podem ser austeros quando jovem.
Ainda no século XIV Giovanni Colombini era membro do governo de Siena, além de banqueiro, abriu mão de todos os seus bens materiais em favor da Igreja e se tornou um monge. Isto lhe rendeu a beatificação após a morte e décadas de dificuldades para a família Colombini.
As finanças voltaram ao normal somente apões meados do século XVI, quando Cosimo dei Medici, após conquistar Siena, decidiu restituir os bens que pertenciam à família Colombini.
Hoje a Fattoria dei Barbi cultiva 66 hectares de vinhedos em Montalcino, que não ultrapassam o rendimento médio de 1,5 kg de uvas por videira, o que significa que uma planta produz apenas uma garrafa de vinho.
Até mesmo o rótulo mais “simples”; o Rosso di Montalcino, respeita essas regras e é feito com a Brunello de vinhas com idade média acima de 12 anos, que estagia parte em tanques de inox e parte em barricas e tonéis de carvalho da Eslavônia.
O Brunello di Montalcino, chamado informalmente de blue label (pois o escudo azulado da família fica evidente no rótulo), é o emblema de Barbi e é produzido desde 1892. Na época o pesquisador médico (que criou a terapia para cura da sífilis) Pio Colombini foi o produtor desta primeira edição de Brunello de Barbi. Aqui o protocolo de vinificação inclui o estágio mínimo de 24 meses em barricas e tonéis de carvalho, mais quatro meses nas garrafas.
As melhores parcelas Sangiovese Grosso de Barbi, com videiras com mais de 20 anos de idade, são destinadas ao Brunello di Montalcino Riserva (conhecido como Red Label, pelo fundo vermelho no rótulo). Para esta linha o estágio mínimo nas barricas e tonéis é de três anos, com posterior descanso na garrafa por mais três anos, média. Como se pode imaginar, há intensidade para evoluir por décadas e mostrar o máximo potencial da Brunello já com as especiarias (notas terciárias) típicas de um Riserva em evolução.
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Gostei muitíssimo do artigo, pois são meus vinhos prediletos.
Obrigado.